sexta-feira, maio 12, 2006

Para lá dos Urais

Tenho saudade. De gente, tempos, sítios, situações, de tudo. Aliás, para mim não há regra para a saudade. Basta que algo relembrável fique para trás para que um par de anos o transforme em saudade. Na realidade, a saudade é a minha forma de cristalizar o passado que faz sentido.

Uma pequena saudade que eu tenho é do tempo passado nos alfarrabistas do Chiado. Lembro-me particularmente das dedicatórias nas guardas (“do padrinho Júlio Alçada pelo teu 9º aniversário”). Dos títulos em itálico ou a imitar caligrafia. E do ar mofado nas prateleiras de topo.

Mas, sobretudo, recordo a emoção daquelas aventuras encadernadas a percalina. Júlio Verne escrevia-as e a Corazzi editava-as, chamando à colecção “Viagens Maravilhosas aos Mundos Conhecidos e Desconhecidos”.

Livro a livro, aos trezentos escudos de cada vez, compunha-se quase todo o legado de Verne. Viagem a viagem, cheguei a 74 volumes impressos no fim do Século XIX e trazidos na ortografia da época: “No decurso do anno de 186… commoveu singularmente o mundo inteiro uma tentativa scientifica sem precedentes nos annaes da sciencia. Os socios do Gun-Club, associação de artilheiros fundada em Baltimore depois da guerra da América, tiveram o pensamento de estabelecer communicação com a Lua, - sim, com a Lua, - atirando-lhe uma bala.”

Conheci “Clovis Dardentor”, fiz “Dois Annos de Ferias”, passei “Cinco Semanas em Balão” e cruzei-me com “Os Piratas do Archipelago”. De passagem, soube que “O Bilhete de Loteria nº 9:672” não estava nas mãos de “Kéraban, o Cabeçudo” e que este também não tinha “Os Quinhentos Milhões da Begun” (nem ele nem “Miguel Strogoff”).

Não cheguei a ler todos os 74. Sei também que dificilmente os lerei. Além de me saber bem esta saudade, não quero arriscar comprometer o sabor que lhes tenho. É que, sei-o bem, Júlio Verne poderá ter sido o mentor desta minha irrequietude.

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E o tesouro de Xangri-lá? Ou a moeda nº 1 do Tio Patinhas? E o Toqui cabeçudo tem algo que ver com o Kéraban? Cumpts. :)

13 maio, 2006 12:36  
Anonymous Anónimo said...

Gostei muito deste texto. Aproveito para publicitar o meu blog dedicado ao autor francês:
www.jvernept.blogspot.com

08 maio, 2008 17:42  

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