sexta-feira, maio 26, 2006

Seguindo Thesiger

Nestes dias em que o petróleo dita os modos de viajar e os destinos são um grande pacote litoral, traz conforto visitar os tempos dos Indomáveis.

O último dos grandes exploradores britânicos, Sir Wilfred Thesiger (1910-2003) nunca abandonou o desdém pelas modernas perversi- dades, sempre trilhando num pedregoso calcorrear de caminhos de fome e cansaço, frio e morte.

Ontem, terminei na página 350 uma jornada de seis anos em que ele partilhou com os beduínos os areais do Sul da Arábia. Ocorreu-me que já ninguém viaja assim e que os próprios beduínos já vencem as dificuldades do deserto em jipes com ar condicionado. Hoje, procuram-se resorts com tudo incluído e acesso protegido, não vão os nativos decidir entrar com olhares desafiantes e túnicas transpiradas. Hoje só resta a exausta sombra do explorador, dobrado que foi a um mundo que não pediu.

Mas porque, neste canto, nunca dos anseios se desistirá como vãos, passo a transcrever com respeitosa vénia:

“De manhã observei Mabkhaut a soltar os camelos para o pasto e, à medida que estes se libertavam, momentaneamente poupados do duro trabalho a que os submetíamos, apercebi-me de que só conseguia pensar neles como comida. Alegrei-me quando desapareceram de vista. Al Auf aproximou-se e deitou-se a meu lado, cobrindo-se com a sua capa. Penso que não falámos. Eu estava deitado com os olhos fechados, insistindo para comigo: «Se estivesse em Londres, daria tudo para estar aqui». (…) Preferia estar aqui, faminto como estava, do que sentar-me numa cadeira, empanturrado de comida, a ouvir rádio. (…) Mantive-me desesperadamente fiel a esta convicção. Parecia-me infinitamente importante. Pô-la minimamente em causa seria admitir a derrota, renegar tudo aquilo em que acreditava.”

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