sábado, setembro 08, 2007

De tapete voador

Noite após noite, a opinião cresce na cabeça de Sven: o Médio Oriente é uma região com fraco saneamento básico onde gente de discutíveis ambições se anda a explodir em mesquitas e centros comerciais.

À distância de quatro ou cinco fusos horários e no conforto do prime time, tudo o que o dinamarquês (ou um canadiano ou austríaco) vê parece desafiar a inteligência. Mulheres de negro a prantearem com as mãos no ar e um sapato sem pé que jaz numa rua coberta de detritos. Pode ser em Ramallah, Tel-Aviv ou Kerbala, “confesso que já não presto atenção”. Judeus ou muçulmanos, libaneses ou iraquianos. Vista do Ocidente, a banalidade já fez esmorecer a consternação.

Ninguém duvida que no Médio Oriente as diferenças de opinião são frequentemente discutidas num alto patamar de brutalidade. Aqui, poder-se-ão criar inimigos mortais apenas por se ter nascido. Seja-se do mesmo país, da mesma raça ou da mesma religião. O sunita não partilhará do prato do xiita e o sírio será olhado com desdenhoso receio pelo libanês. Mas, na sua voraz senha colonialista ou imperialista, os Ingleses, os Franceses e agora os Americanos nunca fizeram mais do que piorar o que vieram encontrar. Tudo começa na própria definição de Middle East, vastamente criticada pelo seu eurocentrismo (mais de metade da população mundial está a Oriente do Médio Oriente). No seu papel de umbigo do mundo, as potências europeias decidiram ainda decretar a prioridade à identidade nacional e à política de fronteiras sobre a visão religiosa.

Historicamente, a raiz dos repetidos fracassos ocidentais no Médio Oriente tem sido a despreocupada ignorância. Ultimamente, na mesma linha de ligeireza, a exportação principal são sistemas políticos: ”Wolfowitz, você que é filho de uma família de judeus de Varsóvia vai-me ajudar a pôr aqueles iraquianos a viver em democracia. Não se preocupe muito com detalhes. Tenho passado anos e anos a negociar petróleo com os Árabes. Eu vou coordenando os passos”. Porque tudo isto se passou praticamente anteontem, ainda nos consegue parecer mais risível. Mas como, Senhor Bush, a ignorância não passa de uma etapa a caminho da luz, aqui vai.

Faz sentido começar pela religião. A principal religião no Médio Oriente é o Islamismo. Entenda-se assim que não há nada com o nome de Muçulmanismo. Há é ser-se Muçulmano, ou seja professar o Islamismo.

Maomé é tido como o fundador da religião islâmica e o último mensageiro da palavra do Deus Alá. Mas, ao morrer sem sucessão, deixou aberto o caminho para a divisão do Islamismo em dois ramos principais: o Sunismo e o Xiismo. Os primeiros (cerca de 85% do número total de muçulmanos em todo o mundo) defendiam que quatro califas eleitos deveriam assegurar a continuidade, enquanto os Xiitas opinavam que Ali ibn Ali Talib – como primo e cunhado de Maomé – seria o legítimo sucessor.

Fechando o capítulo religioso, entro no étnico: ser Árabe não é o mesmo que ser Muçulmano. É-se Muçulmano como se é Cristão e é-se Árabe como se pode ser Chinês. E um Chinês pode ser Muçulmano, assim como há Árabes Cristãos. E Árabes Judeus.

No Médio Oriente, abundam os grupos étnicos: já se falou dos Árabes, mas ainda existem os Persas (sobretudo vivendo no Irão, onde apenas 3% da população é Árabe), os Turcos, os Judeus (cujo nome da religião é o mesmo do grupo étnico; ou seja, há seguidores de Alá que pertencem há etnia judaica), os Azeris, os Berberes, etc.

O Médio Oriente não é fácil de compreender. Eles mesmo, os que lá vivem, têm grandes dificuldades de entendimento. Mas, nesta linha de consenso e paradoxo, uma coisa tenho que dizer: sinto-me desejoso de lá regressar. Já vão fazer cinco anos que no Cairo vivi os mais atmosféricos e intemporais momentos da minha vida de viagens. E se há uma cidade, também uma capital, onde sinto que posso esperar o mesmo é Sana’a.

Pelos desertos e montanhas do Médio Oriente, não deverão faltar terras que não mudaram de rosto em séculos de existência. Só que essas estarão separadas por estradas de morte e desfiladeiros insuperáveis. A Sana’a, a capital do Iémen, chega-se de avião. Mas deverá ser percorrida de tapete voador…

No último ano, Sana’a foi-me apresentada pelo Trofimov, um ucraniano com cidadania italiana e experimentada pelo Horwitz, um judeu americano. Anteontem, o Eric Hansen (que ainda não conheço) prometeu falar-me mais daquele país onde todos mascam khât nos tempos livres e as mulheres têm uma média de 7 filhos.

Mas, não deixando de agradecer todas as ajudas, o que quero mesmo é cruzá-la de tapete voador.

Infografia de FOXnews.com e fotografias de Mideastimage e Eesti

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