sexta-feira, março 10, 2006

Abu Simbel e o Marlboro Man (2003.01.01)

Eram 3 e 48 da manhã e mal conseguia pensar com aquele frio. Só tinha dormido três quartos de hora, o meu cobertor tinha a espessura de um lençol e o ar condicionado da carrinha não funcionava. E, para cúmulo, nem havia sinais do batalhão militar que nos iria escoltar até Abu Simbel.

Ainda com frio, acabei por adormecer. Mas um par de horas depois, o calor acordou-me. Rodávamos já pela estrada do deserto e uma placa dizia que o Sudão estava a menos de 60 quilómetros. Feitas as contas, o templo de Abu Simbel devia ficar a uma meia hora.

Já tinha lido sobre a incrível descoberta do templo depois de séculos e séculos enterrado na areia. Já me tinha espantado com a sua desmontagem pedra por pedra para o reconstruírem 210 metros atrás. Mas nunca se está preparado para Aquilo.

Esmagador. Esmagador e perfeito. Não digo mais. Não é para palavras.

Já no regresso, enquanto cabeceava de sono, pensara de novo na galabiyya que tinha comprado e perdido no dia anterior, algures no souq de Aswan. Mas, ali, apenas um dia passara e já todas as ruas já me parecerem diferentes. Tinha fé na memória visual da Fátima, mas não foi a solução. Perdidos em Aswan, capítulo 2. “Bem, vou só ali comprar um volume de Marlboro e depois recomeçamos."

Antes de mais: eu sei que não se compra tabaco a alguém que anda a pé por um mercado. Mas ele tinha um volume na mão e só pedia 120 libras egípcias (3 contos e picos na altura). Por isso, parei e enfiei-lhe uma nota de cem na mão. Ele pediu mais 20 e eu disse-lhe que lhe dava mais 5. Ele concordou.

Então, enquanto eu procurava pela nota certa, ele esticou dois dedos para uma de 50 libras e passou-me o tabaco para a mão. Meio aturdido, pensei: “Espera. O que é que se passa aqui?” Atirei-me para a frente, arranquei-lhe a nota e gritei meio em inglês, meio em português (este só para os palavrões): “There’s no business anymore! Give me my money!”

“No problem, zir. We do bisness. Happy new yer” dizia ele. Nessa altura, já eu trazia na mão as minhas 100 libras e um rasgão da sua algibeira. Fechei o punho junto ao nariz dele e, aos gritos, ameacei esmurrá-lo. Mas aquele ataque de fúria tinha chamado a atenção e, em nosso redor, juntara-se uma pequena multidão.

Senti medo pela Fátima e por mim. Talvez tivesse exagerado. E começávamos a andar mais depressa quando ouvi “Portugal! Portugal!”. A face não me era estranha, mas só percebi quando o vi a agitar na mão uma espécie de veste comprida. Finalmente, tinha encontrado a minha galabiyya. Ou, melhor, ela descobrira-me a mim.

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