segunda-feira, março 27, 2006

Estradas dos Solitários (2003.03.02)

Até ao último metro que fizemos em Fés, nunca deixámos de estar desorientados. Sabíamos que o Sul era o destino e que a N8 e a N503 levavam-nos ambas para baixo. Mas ambas teimavam em aparecer.

Quando uma tímida seta apontou a N503, atirei-me para fora de toda aquela desori- entação. E deixei a labiríntica Fés para trás. Ainda faltavam 450 quilómetros para chegar à minha paragem, mas agora sentia-me inexplicavelmente perto.

Aos poucos, a N503 ia-me dando a ideia de não ser uma estrada de carros. Ou motas ou camiões. O alcatrão era decente e as curvas não eram de entontecer. Mas ninguém se cruzava connosco. Lembrei-me da máxima do meu pai: “Se um restaurante está vazio, é porque não é boa a comida”. Estaria a estrada cortada? Teria salteadores? Ou polícias corruptos?

Ainda hoje não sei porque é que a N503 não era uma estrada para Norte. Também não perguntei. Nem aos solitários que nos apareciam de meia em meia hora a patrulhar os seus rebanhos monte abaixo. Porque esses encontravam no serpentear do alcatrão as únicas manifestações de vida em tardes inteiras sozinhos com os seus pensamentos.

Qualquer carro que passasse ia na direcção de uma vida melhor. Para eles, alguns com 8 ou 9 anos, o fim da estrada era o sonho que havia uma tarde de aparecer. E um só carro que fosse era um sinal de esperança.

Para nós, a N503 (e depois a N13) passou a ser uma estrada de fantasia, onde as mais perfeitas rectas de todo o mundo corriam emolduradas pelo Atlas. Mas era também o chegar do sonho: estávamos a caminho das dunas do deserto.

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1 Comments:

Blogger Bin_tex said...

Conheces a estrada de Errachidia para Ouarzazate? que passa em Tinejdad e Tinerhir. ou a que liga Erfoud a Zagora? fora as pistas são das minhas estradas favoritas em Marrocos. Já as fiz com cerca de 50graus no verão, num toyota sem ar condicionado depois de mal dormir durante três dias, sem tomar banho. foi das viagens mais duras que fiz essa de Zagora para Midelt passando por Errachidia. Completamente exausto, um grande amigo meu marroquino ia noutro jipe. iamos os dois sózinhos, depois em Tinejdad ele seguiu para Erfoud e eu para Norte - para Midelt. Tinha obrigatoriamente de estar lá, sai expedição, entra expedição.

Estava completamente cansado, sem tomar banho há dias, a dormir no jipe, com uma temperatura acima dos 45 º a meio da manhã, ia com as minhas cassetes de música marroquina em altos berros, garrafas de agua ao lado para ir molhando a cara, para enganar os quilometros e o facto de estar exausto, olhando aquelas rectas sem fim e o deserto bem ao lado. Cheguei a Errachidia, cruzei-me com um carro português, e À saida de Errachidia em direcção a Midelt estava um Moulay com cerca de 7 anos com um saquinho sentado na berma da estrada è espera de apanhar um qualquer transporte para o Rich que fica na mesma rota de Midelt. Bom, dei-lhe boleia, deixei-o escolher a música e foi a minha companhia de viagem quase até Midelt. Ele ia para o Rich vender legumes no Souk. um dia destes acabo a história:)

31 março, 2006 03:25  

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