Por Xakanaxa (Moremi, 2003.04.27)
Era hora de sesta no acampamento de Xakanaxa. Como de costume, só eu me mantinha acordado. Sempre achara um desperdício entregar duas horas ao sono, quando a selva fervilhava em meu redor. Ainda que o guia tivesse dado instruções para não abandonarmos a clareira e até a insuspeita Lonely Planet confirmar o perigo: “Watch out for wildlife in Xakanaxa: one reader was chased by elephants in 1999 and an American boy was tragically killed by hyenas here in 2000”.
Assim, subi para a cabina do camião e deixei-me lá a ler um livro sobre os répteis do Okavango. Pus os pés no tablier e, enquanto a sombra enchia Xakanaxa, vi-me como o único convidado das melodias dos pássaros. Aliás, só sairia dali para visitar Douglas, o nosso WC.
Habitualmente, o Douglas ficava a uns cinquenta metros do acampamento, escondido atrás de uma árvore. Em Xakanaxa, estava um pouco mais longe, forçando-nos a uma caminhada por um bosque de acácias novas. Apenas alguns passos me separavam da árvore quando senti um movimento. Olhei para o meu lado direito e vi-o a fitar-me. Era um leopardo.
Ocorreu-me que devia parar. Então, fiquei a contem- plá-lo. Apenas. A menos de dez metros de mim, ele permanecia estático. Até que decidiu agir. E, curvando sobre si mesmo, fez meia-volta para o bosque. Não tinham passado mais que cinco segundos.
Mudo e estático, ali fiquei por mais um minuto, tentando perceber o que fazer a seguir. Passou-me pela cabeça que os leopardos costumam subir às árvores. Olhei para cima. Por outro lado, ele podia estar a rodear-me. Olhei para baixo e pus-me a tentar ouvir se abria caminho junto às folhagens dos arbustos. Então, sem nada ver nem ouvir, comecei vagarosamente a andar de lado, até chegar ao acampamento ainda adormecido. Entrei de novo no camião e voltei a pegar no livro. A cada parágrafo, olhava pelo retrovisor para o canto da clareira. Mas, estranhamente, nunca foi medo o que senti. Tudo tinha sido demasiadamente rápido e paralisante para poder sentir qualquer coisa.
Sentir o medo terrível, o pânico descontrolado, tinha sido na noite anterior. Era a primeira noite no famigerado Xakanaxa e a fogueira ia perdendo fulgor. Já pouco se falava e os olhares fixavam-se hipnoticamente nas chamas, antecipando a entrada nas tendas. Então, vindo da escuridão, tão alto como um comboio a aliviar vapor, aquele ruído cruzou os ares. Não era um grito nem um rugido, era mais como um gigante a fungar junto às nossas cabeças. Os gritos vieram depois: eram as raparigas do grupo, transidas de medo. Eu não gritei. Saltei da cadeira de lona, quis fugir para longe e acabei no abraço apavorado da Fátima e da brasileira Sybille. Já o medo foi o mais fisicamente intenso que alguma vez sentira. Mesmo não passando de um dos menos interessantes capítulos da história de Xakanaxa.
Gys, o guia, dormia todas as noites em cima do atrelado do Mercedes. Pela manhã, interpelei-o enquanto ele fazia o pequeno-almoço. “Yes, I heard”, respondeu ao dobrar-se para apanhar uma lata de cacau instantâneo, “it was an impala. They do those noises when they are afraid of something”. Fiz um sorriso amarelo e desviei-me. Afinal, o terror de Xakanaxa não era senão o mais assustadiço dos mamíferos da selva.
Assim, subi para a cabina do camião e deixei-me lá a ler um livro sobre os répteis do Okavango. Pus os pés no tablier e, enquanto a sombra enchia Xakanaxa, vi-me como o único convidado das melodias dos pássaros. Aliás, só sairia dali para visitar Douglas, o nosso WC.
Habitualmente, o Douglas ficava a uns cinquenta metros do acampamento, escondido atrás de uma árvore. Em Xakanaxa, estava um pouco mais longe, forçando-nos a uma caminhada por um bosque de acácias novas. Apenas alguns passos me separavam da árvore quando senti um movimento. Olhei para o meu lado direito e vi-o a fitar-me. Era um leopardo.

Mudo e estático, ali fiquei por mais um minuto, tentando perceber o que fazer a seguir. Passou-me pela cabeça que os leopardos costumam subir às árvores. Olhei para cima. Por outro lado, ele podia estar a rodear-me. Olhei para baixo e pus-me a tentar ouvir se abria caminho junto às folhagens dos arbustos. Então, sem nada ver nem ouvir, comecei vagarosamente a andar de lado, até chegar ao acampamento ainda adormecido. Entrei de novo no camião e voltei a pegar no livro. A cada parágrafo, olhava pelo retrovisor para o canto da clareira. Mas, estranhamente, nunca foi medo o que senti. Tudo tinha sido demasiadamente rápido e paralisante para poder sentir qualquer coisa.
Sentir o medo terrível, o pânico descontrolado, tinha sido na noite anterior. Era a primeira noite no famigerado Xakanaxa e a fogueira ia perdendo fulgor. Já pouco se falava e os olhares fixavam-se hipnoticamente nas chamas, antecipando a entrada nas tendas. Então, vindo da escuridão, tão alto como um comboio a aliviar vapor, aquele ruído cruzou os ares. Não era um grito nem um rugido, era mais como um gigante a fungar junto às nossas cabeças. Os gritos vieram depois: eram as raparigas do grupo, transidas de medo. Eu não gritei. Saltei da cadeira de lona, quis fugir para longe e acabei no abraço apavorado da Fátima e da brasileira Sybille. Já o medo foi o mais fisicamente intenso que alguma vez sentira. Mesmo não passando de um dos menos interessantes capítulos da história de Xakanaxa.

Etiquetas: Africa, Botswana, Reino Animal, Safari
2 Comments:
Mais assustadiço, mas não o mais assutado. Cumpts.
Touché. Aliás, manter os fundilhos secos já foi proeza. Abraço.
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