quinta-feira, agosto 30, 2007

Ancorados no cemitério

Por motivos que explico com dificuldade e na verdade nem eu bem entendo, tenho vontade de ir à Mauritânia.

É um país pobre e desolado que nasceu das areias do Sahara e que pelas mesmas areias é habitualmente coberto. Para a Mauritânia não há pacotes turísticos e até mesmo os backpackers tendem a olhá-lo com um distante sorriso de complacência. Na verdade, é extraordinariamente provável que ao longo da nossa vida, ninguém nos diga com um entusiasmado esfregar de mãos: “Amanhã, parto para a Mauritânia. Nunca mais chegava o dia!”

A Mauritânia tem um fado geográfico que pesa tanto como o seu terrível sol do meio-dia e que não faz suscitar grande fervores à sua visita. Entre fronteiras, pouco mais há que paisagens de interminável e poeirenta planura. Ao sair-se do país, tem-se a Norte os milhões de minas terrestres do Sahara Ocidental, a Nordeste a imprevisível Argélia e para Leste os bandidos que vigiam os postos fronteiriços com o Mali. Ou seja, lá dentro pouco há que fazer, mas sair pode não ser a melhor opção. Mesmo assim e tudo pesado, tenho vontade de ir à Mauritânia.

Habituei-me a pensar que um país com magros pontos de indiscutível interesse dá-nos sempre algo que os outros não têm. Aqui, porque tudo é árido, cada novo encontro tem um sincero empenho, um verdadeiro toque de vida. E de cada vez que vemos a tremeluzir aos 47 graus que aquecem o horizonte um qualquer volume (mesmo que coberto da ferrugem dos anos) podemos estar a cruzar-nos com uma lembrança para todo o sempre.

Apesar de ninguém saber muito da Mauritânia, há uma mão-cheia de pessoas que lhe conhece um feito particular: aqui corre o que é alegadamente o mais longo comboio em todo o mundo. Vai carregado de minério de ferro e as suas 4 locomotivas chegam a arrastar mais de duzentas carruagens até à cidade de Nouadibhou.

Em Nouadibhou, espere-se encontrar uma terra esquálida, com rumores de ser manipulada pela máfia nigeriana e aproveitada para campo de treino da Al-Quaida. É só a segunda maior cidade do país, mas já é capital no contrabando de meteoritos e um dos principais portos de embarque dos clandestinos que procuram as Canárias. Enfim, lá trafica-se em expectativas.

Contudo, se um dia chegar a NDB é para perguntar onde fica a baía. Alguém me há-de responder, estranhando o porquê de tão insólito destino. Ali só há areias manchadas e carcaças de metal ferrugentas. Mas é este puzzle em constante preenchimento o que mais me move até à Mauritânia. Porque é aqui que cerca de 300 embarcações se juntam num dos mais estranhos cemitérios de que há memória. Umas não resistiram aos humores do Atlântico, outras foram ali deixadas para morrer. Não é um ambiente de cor e alegria. Mas os cemitérios são assim mesmo.

Imagens de TAFAT e Google Maps

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2 Comments:

Blogger tcl said...

"Habituei-me a pensar que um país com magros pontos de indiscutível interesse dá-nos sempre algo que os outros não têm."

Tens toda a razão! os sítios mais fantásticos onde estive tinham muito pouca coisa, mas deram-me algo de fantástico: espaço aberto a perder de vista, cores e cheiros.

boas trips :-)

31 agosto, 2007 20:02  
Blogger Dádá said...

Eu estou à 5 meses em Kaédi, provincia de Gorgol Mauritânia.

visita http://mauritaniamundo.blogspot.com

Nota: não é um país fácil,(mas qual é que é?) e no entanto vale apena visitar.

18 setembro, 2007 02:30  

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