sexta-feira, agosto 31, 2007

Ventos do Norte

É na Dinamarca, na península da Jutlândia, que fica o farol de Rubjerg Knude. Durante quase 70 anos, foi um sinal de esperança para os navios que faziam as agrestes rotas do Norte. Em 1968, a subida das areias impediu-lhe a luz de ser vista no meio das intempéries. Hoje, é apenas mais uma prova de que o Mar do Norte é uma batalha perdida à nascença. Ali não se dão tréguas.

Já na Escócia, na estreita Crovie, eu tinha sido testemunha dos seus rigores. Ainda naquela altura, a terra mostrava as marcas de um terrível dia de Janeiro do ano de 1953. Os ventos árticos tinham empurrado um descon- trolado Mar do Norte costa adentro e feito de Crovie uma aldeia deserdada.

Cinquenta anos e sete meses depois, percorri a Costa de Banff e parei em Crovie. Não vi lá absolutamente ninguém. O Mar do Norte brilhava debaixo de um morno sol de Agosto.

Imagem de Rubjerg Knude propriedade de cheeweng

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quinta-feira, agosto 30, 2007

Ancorados no cemitério

Por motivos que explico com dificuldade e na verdade nem eu bem entendo, tenho vontade de ir à Mauritânia.

É um país pobre e desolado que nasceu das areias do Sahara e que pelas mesmas areias é habitualmente coberto. Para a Mauritânia não há pacotes turísticos e até mesmo os backpackers tendem a olhá-lo com um distante sorriso de complacência. Na verdade, é extraordinariamente provável que ao longo da nossa vida, ninguém nos diga com um entusiasmado esfregar de mãos: “Amanhã, parto para a Mauritânia. Nunca mais chegava o dia!”

A Mauritânia tem um fado geográfico que pesa tanto como o seu terrível sol do meio-dia e que não faz suscitar grande fervores à sua visita. Entre fronteiras, pouco mais há que paisagens de interminável e poeirenta planura. Ao sair-se do país, tem-se a Norte os milhões de minas terrestres do Sahara Ocidental, a Nordeste a imprevisível Argélia e para Leste os bandidos que vigiam os postos fronteiriços com o Mali. Ou seja, lá dentro pouco há que fazer, mas sair pode não ser a melhor opção. Mesmo assim e tudo pesado, tenho vontade de ir à Mauritânia.

Habituei-me a pensar que um país com magros pontos de indiscutível interesse dá-nos sempre algo que os outros não têm. Aqui, porque tudo é árido, cada novo encontro tem um sincero empenho, um verdadeiro toque de vida. E de cada vez que vemos a tremeluzir aos 47 graus que aquecem o horizonte um qualquer volume (mesmo que coberto da ferrugem dos anos) podemos estar a cruzar-nos com uma lembrança para todo o sempre.

Apesar de ninguém saber muito da Mauritânia, há uma mão-cheia de pessoas que lhe conhece um feito particular: aqui corre o que é alegadamente o mais longo comboio em todo o mundo. Vai carregado de minério de ferro e as suas 4 locomotivas chegam a arrastar mais de duzentas carruagens até à cidade de Nouadibhou.

Em Nouadibhou, espere-se encontrar uma terra esquálida, com rumores de ser manipulada pela máfia nigeriana e aproveitada para campo de treino da Al-Quaida. É só a segunda maior cidade do país, mas já é capital no contrabando de meteoritos e um dos principais portos de embarque dos clandestinos que procuram as Canárias. Enfim, lá trafica-se em expectativas.

Contudo, se um dia chegar a NDB é para perguntar onde fica a baía. Alguém me há-de responder, estranhando o porquê de tão insólito destino. Ali só há areias manchadas e carcaças de metal ferrugentas. Mas é este puzzle em constante preenchimento o que mais me move até à Mauritânia. Porque é aqui que cerca de 300 embarcações se juntam num dos mais estranhos cemitérios de que há memória. Umas não resistiram aos humores do Atlântico, outras foram ali deixadas para morrer. Não é um ambiente de cor e alegria. Mas os cemitérios são assim mesmo.

Imagens de TAFAT e Google Maps

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domingo, agosto 26, 2007

O Grande Branco

Há quatro anos e meio que já conheço preços, itinerários e rotinas. Não é difícil: por 115 €, o histórico Brian McFarlane empresta-nos uma jaula e larga-nos nas águas quentes de Gansbaai.

Depois, é esperar que o engodo o atraia para junto do Predator II e assistir gelado aquele olhar de morte que nos rodeia uma, duas, muitas vezes.

E sempre que me voltam a reavivar a ideia (agora a culpa foi da Forbes Traveler), cá fico eu a pensar que já faltou mais tempo para descer.

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Fogos Gregos

Naqueles dias da Idade Média, a credulidade era uma auto-estrada para as vozes em surdina: os gregos tinham conseguido dominar o fogo.

Provavelmente, teria sido algum embriagado veterano das batalhas contra os muçulmanos. Ele mesmo teria atirado pela amurada aquela mistura pastosa que se incendiava na água e, serpenteando, levava o incandescente terror às embarcações do Islão. Ficava assim conhecido o Fogo Grego, uma arma de guerra que nunca veria o seu segredo revelado.

Hoje como ontem, a Grécia é falada pelo fogo assassino. Ainda há três semanas, a água defendia-me dos 39 graus de Atenas e não se cansava de mim na recatada ilha de Sifnos.

Hoje, a que resta é para defender a vida. Porque os gregos já não dominam o fogo.

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